sexta-feira, 9 de abril de 2010

Carta de encerramento

Declaro, hoje, a morte deste blog. Abandono-o sem ressentimentos. Ressentimento seria sentir novamente - o que eu não sinto. Não sinto mais como se cada coisa que existe, aqui, significasse algo em uma mente tumultuada como a minha. Mas seria muita despretenção e desrespeito simplesmente descartar algo que me foi de tanta importância um dia. Até porque a coisa não está isenta de qualquer significado, mas significa, sim, algo que me foi e não me pertence mais. Como um membro amputado após a conformidade. Quero me livrar da sensação de ser ridícula, retornando ao passado sempre que o presente me decepciona. Nem mesmo lê-lo consigo. E isso me tem feito pensar: por quê? Aliás, sempre pensei. Uma vez lembro-me de ter falado nesses relatos alguma coisa sobre ter vergonha de reler o que acabei de escrever. E como o paranóico tem uma vida de constante análise, um dia, resolvi parar com isso. Foi aí que desandei. Sabia que parar implicava numa mudança. Eu teria que suprir essa atividade por outra coisa. Mas nenhuma outra coisa me satisfez, tanto quando esta. Por vezes tentei continuar, mas novamente escrevia coisas que depois perdiam o sentido. Hoje acho que me superei. Atravessei essa fase. Vejo meu futuro em uma moldura: branca, límpida e sem forma, porém muito, muito enorme. Maior do que eu. E ainda não tenho a menor idéia do que fazer com ela. Estou apenas esperando que algum acidente me faça ver nesse quadro alguma expressão que me orgulhe ao ponto de não me sentir menor depois dele. Obrigada àqueles (poucos) que me leram. Em breve informarei meu novo endereço.

Beijos
Paulla Oliveira

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O amante

Não posso dizer que gosto do seu beijo, nunca provei. Não posso dizer que gosto do seu cheiro, nunca senti. Não posso dizer que gosto da sua voz, nunca ouvi. Não posso dizer que é bonito, nunca o vi. No entanto, amar você é fácil porque surreal. Não preciso de muito. Se eu tiver que amar alguém, será eu mesma. Conheço o meu gosto, como ninguém. Conheço o meu cheiro, como ninguém. Posso tocar minha pele, quando quiser. E canto, onde estiver. Posso me olhar no espelho, quando a saudade apertar. Descobrir quem sou, olhando nos olhos da alma. Da minha alma. Me amar é ainda mais fácil, porque sempre estou presente. Eu nunca me abandonaria, nem me deixaria esperando. Eu posso me espalhar pelo mundo mas a noite sempre volto pra casa. Nada pode ser mais real, para mim, do que eu... Sei que só possuo dois pés para me sustentar. E, quando não há equilíbrio, falho. Pois, só há amor quando há paz. E não há paz, sem guerra. Você é minha guerra. E apenas por isso - apenas por isso - preciso de você. Fato.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Uma fase

Mesmo não estando no auge do sabor da vida, tenho descoberto novos gostos aprofundando-me nos antigos. Por exemplo, descobri que escrever cartas é um negócio realmente interessante. Diz-se aquilo sem a procupação de o leitor entender. E faz-se da mesma forma alguma literatura inutil. É como chorar, limpa a alma. Escrevo cartas que, sei, jamais serão enviadas. Mesmo assim, na esperança de que possam ser úteis um dia. Mas não dissertarei aqui, por que devo, por que faço, por que isso me agrada. Entender é uma questão demorada e já é tarde. Mas o detalhe que mais me surpreende é escrever à mão. Sim, a tecnologia tomou de mim até mesmo a lentidão do meu raciocínio, de forma que escrevendo à mão, penso mais. Se antes me perdia em meio às milhares de coisas que pensava, hoje o tempo é o que menos importa. Escrevo sem a preocupação de que meu texto agrade, ou seja compreensível. Escrevo sem me preocupar se pareço um liquidificador. Sem me preocupar se vou esquecer. Porque os caminho estão cada vez mais claros e densos. Por isso depois que escrevo cartas à mão, mesmo tão especificamente, a falta de liberdade, de possibilidade, a limitação, dessa forma, sinto a alma limpa. Não é um mundo para desgrenhar. É o mundo desgrenhando em mim.

domingo, 25 de outubro de 2009

Quebrei o copo lavando louça

Grita nossa alma, mais pra dentro. O copo quebrado entre as mãos, é mais do que o vidro. É a descoberta de que já não há menos força do que se tinha antes. De repente estamos presos em milhares de pensamentos, enquanto o sabão escorre na pia. E as águas estão batendo nas tampas das panelas, efervecendo. Assim é, nossa alma. Tudo aquilo que acontece sem querer. Um nome trocado, gestos espontâneos, a descoberta da força. Quando me desconecto da consciência, algum ser supremo adentra a carne. Já não sou mais eu quem fala comigo em algum lugar do futuro ou do passado, dizendo o que vai ser. Já não sou mais eu quem sonha se isso poderia ter acontecido mesmo, ou se eu estou relembrando tão rapidamente a ponto de poder me confundir na própria lembrança. Tanto faz, porque a verdade sempre vem depois. Quando há tempo de resignificar aquilo que gostariamos de ter visto. De repente as coisas têm sentido, obviamente porque houve uma busca pelo sentido. E uma linguagem poética se faz necessária. Então eu sento e começa a crise de não saber em que mundo estamos vivendo. Porque, sinceramente, não dá pra ser realista. É uma incapacidade viver nesse mundo. Adaptar-me ao que não me agrada. Simplesmente esqueço, resignifico. É melhor. Mais fácil. :)

sábado, 3 de outubro de 2009

Não tive coragem de ler.

Acordei bem devagar, pois não queria desperdiçar com minha pressa o encanto daquele dia. Era dia bem amarelo e branco. Um dia bem começo de ano. Começo de vida. Isso porque havia nova esperança. O mundo dançava, e diferente. Cantei com as gotas do chuveiro que caía como se fosse mesmo água de chuva. Atrapalhei os móveis da casa, numa disposição para música de valsa. Comi num prato sorridente a melhor refeição do dia, até aquele instante. À rua, não andava, ela passava sob mim ou eu flutuava sobre ela. Agia como alguém se sabe ser visto e apaixonado por alguém. À menina que estava perdida, soube ser gentil, oferecendo conselhos simples sobre a sua tragetória. E à cada passo sentia-se, podia saber-se mais leve. Estaria pronta para partir naquele instante se alguém lhe chamasse. Estaria pronta para abandonar o tempo e o espaço, estes que já não existiam, como se fosse criança. Não se importava de olhar para cima, demoradamente, repetidamente. Não se importava de olhar o mundo porque o mundo não se incomodaria com a sua presença. O mundo inteiro era grande, isso era sabido. Mas o mundo inteiro era qualquer lugar. Então sorria ao motorista, sorria ao velho, sorria ao menino feio, sorria e era retribuída... Antes de dormir, escondeu o olhar, de onde saía faísca. Lambeu a casca da ferida. Parecia provar de gosto bom já que sempre lambia; antes de dormir, antes de acordar, antes de esquecer do gosto bom que tinha. Durante muito tempo provou do gosto sem nada sentir, esquecendo que já não havia gosto. Pode ser que lambera tanto que já não havia gosto. Havia apenas a lembrança do gosto. E talvez fosse isso, um desgosto, o que a mantinha continuada a provar, procurando o mesmo gosto da ferida. Não era mais a busca pelo prazer no sabor do próprio sangue coagulado, a carne fresca. A memória presente. Era a memória ausente que se fazia. A memória que não existiu. Talvez o gosto que buscava não fosse o gosto que encontrara inicialmente. Talvez aquele dia fosse apenas uma atribuição à tudo que foi imaginado sem ser sentido. Foi o fim do delírio no delírio. O fim da ilusão numa nova, quem sabe...

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Sonho

Eu devia ser alguém que faz arte. Isso me justificaria. Eu sentaria branda, chorava no cetim, deslizava entre marmores claros, desbravava as vidas de mim. Então estaria a salvo se de repente, algum anjo sentar em meu lugar e tumultuar meu fogo em um líquido azul de mar que brotou para encontrar oceanos. No fim, toda a entrega, na verdade seria eu. E eu seria a organização desse tumulto que há numa só pessoa, que ainda não sou eu mas que poderia ser. Talvez eu possa ser tudo sim, vivendo num canto. E um dia, a sala estará cheia de mins. Haverá uma festa de radiante alegria para que todos possam ver que a minha felicidade existe. Só que ela ainda está dentro esperando pra sair. E quando esse dia chegar eu serei livre para servir aos meus convidados, em agradecimento de memória... Eu não seria nada sem mim, porque sonho.

domingo, 12 de julho de 2009

par de letras drocatas

O meu amor não se perpetuará como o universo. O meu amor não viverá mais do que o suficiente. Meu amor talvez nunca diga que ama. O meu amor tem medo de dizer. O meu amor tem medo de ser-se. O meu amor teme a cartase. O meu amor tem medo de mim tanto quanto eu não gostaria que tivesse. Queria poder dizer: "do amor, eu sei". Demonstrando ainda certa ternura em vivê-lo. Mas tudo que sei é que ele não existe. O amor assim, não existe. E a toda a sua espera é uma perda de tempo.

Tudo que eu sei é que posso tocar o meu amor e senti-lo. Ele é meu universo. Com ele não preciso dizer. Com ele eu sou. Os meus medos estão nele. Ele é a minha cartase. Não preciso entender o que o meu amor quer dizer quando estou com ele. Isso me tiraria o encanto de tudo. O meu amor está em minhas mãos, em meu coração, em minha mente, porque nele sou eu quem se transfigura no infinito do universo. E não é o pensamento quem comanda, não é o coração quem comanda, nem as mãos: não há comando. Há um painel com letras ordenadas aleatoriamente e há alguém que mais tarde pensará em lê-las. Esse alguém certamente encontrará o que procura. "Eu só precisava que esta letra trocasse de lugar com aquela e tudo estaria perfeito..." Mas por enquanto o meu amor é isso: par de letras trocadas.